O Governo do Acre
construiu uma estrada com 40 quilômetros de extensão, entre os altos rios Muru
e Tarauacá, nas proximidades das terras indígenas Kaxinawá do Rio Humaitá e
Alto Tarauacá, sendo esta destinada exclusivamente aos índios isolados que
vivem na fronteira do Brasil com o Peru.
A estrada foi
construída com máquinas do Departamento de Estradas e Rodagem do Acre durante
seis anos, para interligar o município de Jordão à comunidade do seringal Novo
Porto.
O governo estadual
não realizou Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) e não consultou
lideranças, comunidades e associações indígenas, tampouco a Fundação Nacional
do Índio (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio).
De acordo com
informações da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, da Funai, atualmente
existem mais de 300 índios isolados na região que está sendo impactada pela
construção da estrada.
Lideranças da
etnia huni kuĩ (kaxinawá) denunciaram o caso ao Ministério Público
Federal, no Acre e em Brasília. Elas argumentam que a estrada causará graves
impactos fundiários, sociais e ambientais na região fronteiriça dos altos rios
Muru e Tarauacá, afetando suas terras e aldeias, comunidades não
indígenas da Reserva Extrativista Alto Tarauacá, a Terra Indígena Alto Tarauacá
e outras áreas ocupadas tradicionalmente por três diferentes povos isolados,
cujas malocas e roçados já foram localizados nas nascentes do Rio Humaitá e nas
cabeceiras dos igarapés Xinane e Riozinho, afluentes do alto Rio Envira.
- É necessário que
os órgãos fundiários federais e estaduais disciplinem essa ocupação e
estabeleça critérios claros, abrangentes e democráticos na sua distribuição,
caso contrário conflitos fundiários, étnicos e ambientais, como desmatamentos e
queimadas se intensificarão na região dos altos rios Muru e Tarauacá, afetando
nossas terras indígenas, a Reserva e as áreas tradicionalmente ocupadas pelos
nossos parentes isolados – afirmam as lideranças kaxinawá em documento entregue
ao MPF.
Os indígenas dizem
que está havendo exploração de madeiras nas matas próximas da estrada, de onde
já estão extraindo aguano (mogno), cedro, cerejeira, louro, copaíba e outras
madeiras nobres.
A partir da
abertura da estrada, foram intensificadas as caçadas predatórias e ilegais na
região, especialmente nas matas dos fundos das duas terras indígenas. O mais
grave é que não existe nenhuma base de proteção etnoambiental da Funai para
impedir as caçadas comerciais nos fundos da terra destinada aos índios
isolados.
As
lideranças kaxinawá relataram ao MPF que a construção da estrada foi iniciada
no verão de 2007, sendo inaugurada com muita festa, comício, churrasco,
comitivas de carros percorrendo o “ramal Jordão-Novo Porto”, como é chamado na
região, em 7 de setembro de 2013.
- Foi inaugurada
no Dia da Pátria, pelo prefeito local e por todos os dirigentes do seu partido
político, o PCdoB, constituído por deputados federais e estaduais, vereadores,
secretários estaduais e municipais, funcionários públicos, comerciantes,
fazendeiros e a população local. Esse acontecimento, no entanto, foi pouco
divulgado na mídia e na imprensa acreana.
O trajeto
foi construído próximo e paralelo ao antigo varadouro que, no tempo da
borracha, interligava os seringais dos vales dos altos rios Muru e Tarauacá.
Passa por terras altas e colinosas dos divisores de águas dois dois vales,
atravessando 21 igarapés, onde foram construídas pontes provisórias.
A estrada
foi construída sobre terras devolutas da União, da prefeitura local e de
particulares, notadamente as áreas do seringal Novo Porto, de propriedade de
Bibiu Aragão, vice-prefeito do município, e principal beneficiário da obra.
De acordo
com as lideranças indígenas, não há critérios técnicos na distribuição de
terras ao longo da estrada. Elas afirma que os desmatamentos e as queimadas
veem aumentando consideravelmente.
- A
distribuição de lotes de terras até agora beneficiou apenas políticos,
comerciantes e fazendeiros locais, sobretudo aqueles que possuem suas criações
de gado dentro de áreas da Reserva Extrativista Alto Tarauacá. E que,
ultimamente, estão sendo pressionados pelo ICMBio para retirar suas fazendas de
dentro da Reserva. Moradores sem terras de Jordão não estão sendo contemplados
– afirma o documento.
As lideranças
indígenas sugerem a construção de uma Base de Proteção Etnoambiental no rio
Muruzinho, afluente da margem esquerda do alto rio Muru, na entrada da Terra
Indígena Alto Tarauacá, de uso exclusivo dos isolados.
A base serviria
para protege a parte sul desta terra de invasões de caçadores e pescadores
profissionais do rio Muru e da cidade de Jordão e minimizaria impactos da
construção da estrada Jordão-Novo Porto, que proporciona o deslocamento de
caçadores e pescadores ilegais que se utilizam dela para acessar o limite sul
da TI Alto Tarauacá.
A Base de Proteção
Etnoambiental também teria a função de monitoramento das referências da
presença de índios isolados nas cabeceiras dos rios Humaitá, Iboiaçu, Muru,
Tarauacá, Jordão e Envira.
As lideranças
kaxinawá também pleiteiam indenização dos saques promovidos por grupos de
índios isolados, mediante ata e referendo da comunidade, com lista dos
materiais e quantidade claramente especificados. Eles dizem que não há como uma
família saqueada esperar meses pelo ressarcimento de seus bens. Materiais como
machados, facões, facas, panelas, redes, cobertas, cordas, e outros são vitais
para a sobrevivência de uma família kaxinawá ou de seus vizinhos não índios do
entorno.
Os kaxinawá querem
a mediação do MPF para garantir que suas reivindicações sejam levadas em conta
pela Funai. Desde 2010, as bases de proteção etnoambiental da Frente Envira
estão desativadas, nos igarapés Xinane e Douro.
As ações de
proteção etnoambiental programadas e promovidas pela Coordenadoria Geral de
Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), da Diretoria de Proteção
Territorial (DPT), da sede da Funai em Brasília, não têm tido continuidade. Os
kaxinawá dizerm que os parentes isolados estão “entregues à própria sorte”.
Nos últimos 25 anos,
a população de índios isolados praticamente dobrouna região.que está sendo
impactada pela construção da estrada Jordão-Novo Porto.
- Esse aumento
populacional dos parentes brabos gerou uma maior pressão sobre as nossas
aldeias e as comunidades não indígenas do entorno. Nos últimos cinco anos, vêm
aumentando consideravelmente os casos de saques promovidos pelos parentes
isolados em nossas aldeias e nas comunidades de moradores não indígenas dos
vales dos altos rios Muru e Tarauacá. Sua presença é cada vez mais notada
nesses dois vales, aonde vêm ocorrendo diversos casos de avistamentos,
vestígios, saques e confrontos armados.
Blog da
Amazônia
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