Pesquisar a origem de certos jogos é se
deparar com historias inusitadas: enquanto "Pac-Man" foi inspirado em
uma pizza da qual faltava um pedaço, Mario acabou assim batizado para
homenagear Mario Segale, proprietário da sede da Nintendo nos Estados Unidos na
década de 1980.
"Huni Kuin – Os Caminhos da
Jiboia", jogo brasileiro baseado nas histórias, mitos, cantos e rituais
dos caxinauás (ou huni kuin), indígenas do Acre, também nasceu de forma, no
mínimo, interessante: em rituais com o chá ayahuasca, bebida alucinógena
conhecida como Chá do Santo Daime.
"Durante os primeiros rituais tive
seguidas visões com o jogo: os índios desenhados como bonequinhos animados, a
jiboia, as histórias, cantorias, os efeitos visionários", revela Guilherme
Meneses, antropólogo que idealizou "Huni Kuin". "Vi que seria um
jogo de plataforma em 2D, num estilo mais 'clássico' e, principalmente, que
deveria ser distribuído gratuitamente", completa.
Especializado em etnologia ameríndia, Meneses
visitou as aldeias caxinauás para pesquisar a produção do jogo, que funciona de
forma bastante similar a um game de plataforma, onde o personagem pula e, neste
caso, ataca com arco e flecha, lança ou borduna, esta última uma arma indígena.
Há quebra-cabeças e o protagonista deve coletar plantas, alimentos e outros
itens.
Game de índio
Os indígenas participaram da produção de
"Huni Kuin", especialmente na concepção do roteiro que permeia as
cinco fases do game, função que ficou por conta dos pajés. "Os índios mais
jovens fizeram os desenhos que aparecem nas cenas de corte do jogo e que
serviram de inspiração para a artista criar os conceitos. Além disso, os
indígenas gravaram o áudio de seus cantos", explica Meneses.
A maior motivação por trás de "Huni
Kuin" é reforçar a luta contra o preconceito que assola as comunidades
indígenas até hoje. Além disso, claro, disseminar também a cultura dos
caxinauás. Há, por exemplo, uma mecânica baseada na ideia de Yuxibu, que
significa "dono da floresta": se você mata muitos animais ou retira
muitos recursos da floresta, esta reage deixando o jogo mais difícil.
"Com este jogo, além de buscar um espaço
para temas nacionais e diferentes dos clichês dos videogames atuais,
pretendemos possibilitar que mais pessoas, desde crianças a adultos, possam
respeitar e valorizar os povos indígenas, reconhecendo o valor de sua cultura,
modo de vida e espiritualidade", aposta Meneses.
A princípio estão previstas apenas versões
para PC e Mac, mas como o jogo foi feito com a tecnologia Unity3D, há intenção
de levá-lo aos celulares – algo, porém, que não está previsto no orçamento
original.
O dinheiro para bancar a produção de
"Huni Kuin" veio, principalmente, do projeto Edital Rumos 2013-2014,
do Instituto Itaú Cultural
A dúvida que fica é: potencial educativo e
cultural à parte, "Huni Kuin" será um jogo divertido, no final das
contas? Para Meneses, uma obra cultural não se opõe à diversão: "Nosso
intuito é que o jogo sirva como um canal para as pessoas conhecerem os povos
indígenas e seus modos de vida, superarem preconceitos e buscarem formas de
cooperar com suas lutas. Este objetivo só vai ser atingido se o jogo for
divertido, caso contrário as pessoas não irão jogar, e, consequentemente, não
irão conhecê-los".
A versão completa de "Huni Kuin"
será lançada apenas no 1º trimestre de 2016, mas uma demonstração deve ser
exibida em agosto, num evento do Itaú Cultural a ser realizado na cidade de São
Paulo.
Théo Azevedo, Do Uol
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