Foto: Geledes.org.br
A disputa no
braço por uma quentinha no começo das tardes de quinta e sexta-feira dentro de
um galpão na periferia de Brasileia, no Acre, era o reflexo de uma tragédia
humanitária que começou em janeiro de 2010 no Haiti e chegou ao Brasil com
força dias atrás pela fronteira com o Peru. Passados três anos do terremoto que
devastou o país caribenho, 1,3 mil refugiados haitianos lotam um acampamento,
passam horas deitados em colchões, sobre placas de papelão, à espera de uma
autorização para ingressar oficialmente no território brasileiro. A esse
contingente somaram-se nos últimos dias 69 senegaleses, dois nigerianos e até
um indiano.
“Perdemos o
controle da situação”, admitiu no final da tarde calorenta de sexta-feira o
secretário de Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão. Diante do aumento no
volume de imigrantes nos últimos 25 dias, o local que abrigava 250 pessoas
recebeu pelo menos mais mil viajantes. Só entre quinta e sexta-feira, 50
pessoas desembarcaram de táxis e ônibus com suas malas e a esperança de
carimbar documentos que lhes permitam viver legalmente no Brasil.
Vendo que a situação se agravara, o
governador do Acre, Tião Viana (PT), decretou situação de emergência
humanitária na quarta-feira para atrair atenção de órgãos federais de apoio.
Assessores de Viana afirmam que o Itamaraty vem ignorando a situação dos
haitianos e deixando para o Estado a administração do problema migratório.
A iniciativa do governador deu resultado.
Uma força-tarefa da burocracia federal, composta por diversos ministérios e
órgãos federais, baixou em Brasileia na tarde de sexta-feira para tentar
aliviar a pressão no município, que possui cerca de 25 mil habitantes.
Enquanto as autoridades brasileiras se
envolvem em uma retórica burocrática, os imigrantes sofrem com as precárias
condições do alojamento de Brasileia. O principal problema é o tempo de demora
para a concessão dos papéis necessários para que oficializem sua condição de
refugiados. A delegacia da Polícia Federal existente em Epitaciolândia – cidade
vizinha, de 15 mil habitantes – estava preparada para atender 30 pessoas por
dia nos últimos meses. Com a avalanche de pedidos e o decreto de emergência,
tenta agora acelerar os processos com o reforço de funcionários da Receita
Federal, responsável pela concessão de CPFs. A promessa é emitir uma centena de
documentos e aliviar a pressão em um mês, permitindo aos imigrantes a obtenção
de documentos para a posterior retirada da carteira de trabalho especial, em
Rio Branco. Sem a documentação, empresas interessadas em contratar os haitianos
não conseguem completar a seleção dos trabalhadores.
Emprego. ”As companhias chegam para buscar gente mas ainda não
temos os documentos na mão”, disse Jonathan Philisten, de 40 anos, que deixou
quatro filhos em Porto Príncipe para se aventurar pelo Brasil. Falando em
espanhol, o haitiano contou que deixou seu país porque queria ir “para qualquer
lugar onde tenha trabalho”. Ao lado dele, Elias Ribas, 24 anos, da República
Dominicana, apontava para a mulher, Julissa, da mesma idade. “Ela está grávida
de cinco meses”, ressaltou. “Queremos ir para Rio.” Cozinheiro, ele acredita
que pode encontrar trabalho para recomeçar a vida longe da terra natal.
Seguindo a onda dos haitianos, Ribas reclamou da falta de água no reservatório,
instalado ao lado do galpão – que às 14h de sexta-feira estava seco. Pouco
depois, uma camionete chegou com galões de 20 litros de água, vendidos ao
governo por R$ 4,50 e fornecidos todos os dias por um posto de combustível da
região.
O indiano Abdul Hoqui enfrentava ainda com
esperança a rotina de espera. “Estou aqui há um mês e três dias”, disse. Apesar
da dura realidade, o nigeriano Sunday Gbesinmi Ebietomere, de 41 anos,
ex-funcionário de um aeroporto de seu país, considera o Brasil a esperança para
uma vida nova.
É o que deseja também o haitiano Servil
Compere, de 26 anos, que chegou no último dia 5 em busca de um irmão que já
trabalha em Santa Catarina. Para ele, um emprego significa um recomeço sonhado
há meses. Servil contou que foi salva-vidas em Porto Príncipe, antes do
terremoto. Encostado em uma árvore, olhava o tumulto da distribuição de comida.
“Eu trabalhava na Defesa Civil”, dizia, enquanto exibia uma carta de
recomendação, escrita em espanhol, atestando suas habilidades e com o número do
passaporte. Compere espera que seus documentos sejam liberados para que possa
procurar o irmão, Villaduin, que está vivendo na cidade catarinense de Porto
Belo.
Depois de passar a tarde perambulando pela
cidade, percorrendo a pé cerca de 3 quilômetros entre o abrigo de Brasileia e a
Rua Santos Dumont, em Epitaciolândia – onde fica a Delegacia da PF – já era
noite quando Jonathan Philisten recebeu uma boa notícia. Sua jornada de
imigrante não documentado, morador do abrigo de refugiados, seria trocada por
uma viagem de cerca de 4 mil quilômetros até a região de Maringá, no Paraná,
para trabalhar em uma granja de frangos.
Fonte: Estadão
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