A cada quatro
mulheres, uma sofre algum tipo de violência obstétrica (Imagem ilustrativa/ Google)
Kézio Araújo e
Daigleíne Cavalcante
O dia que deveria
ser um dos mais felizes na vida da funcionária pública Alisandra Ferreira da
Silva, o dia do nascimento de sua filha, ficou marcado também por um triste
episódio de violência obstétrica, caracterizada por agressões, que podem ser
físicas ou verbais, tanto durante o parto quanto no pré-natal.
A funcionária
pública conta que após nove meses de uma longa e difícil espera, o grande dia
de enfim pegar nos braços a pequena Júlia chegou e que apesar de já ter vivido
a experiência de gestação anterior, não existe preparação para passar pela
temida dor do parto.
“Por mais que a
gente saiba que a dor do parto é intensa e que não é um processo fácil, é
humanamente impossível controlar as reações de grito e desespero no momento das
contrações, principalmente as do período expulsivo”, declara
Alisandra.
Alisandra Silva viveu violência obstétrica
psicológica. (Foto: Renato Beiruth)
E foi o desespero
de achar que não suportava mais a dor que a levou a gritar intensamente para
que a assistente de parto chamasse alguém que pudesse ajudá-la a dar luz, ação
que impulsionou o ato de violência obstétrica psicológica praticada pela
profissional de saúde.
“Ela tinha me
deixado sozinha lá com meu esposo e quando ouviu eu gritar alto chamando alguém
pra me ajudar, porque a bebê estava nascendo, ela voltou e disse que não
adiantava eu gritar porque meu parto ainda ia demorar muito, como se todas as
mulheres fossem iguais e precisassem esperar o mesmo tempo, e ainda falou que
eu estava fazendo muito mal pra minha filha”, relata Silva.
As palavras da
profissional de saúde fizeram o momento ficar ainda mais angustiante para a mãe
que, além de estar em um momento de dor e medo, passou a ficar preocupada de
realmente estar prejudicando a saúde da bebê.
“Momentos depois
uma enfermeira entrou na sala me examinou e percebeu que realmente já havia
dilatação suficiente para o parto. Deu tudo certo, minha Júlia nasceu saudável
e já está com seis meses de vida, mas essa lembrança ruim marcou para sempre
nossa história”, conta Alisandra.
Realidade
recorrente
A pesquisa Mulheres brasileiras e gênero nos
espaços público e privado , realizada em 2010 pela
Fundação Perseu Abramo, revela que uma em cada quatro mulheres que tiveram
filhos por meio de parto normal, no Brasil, sofreram violência obstétrica.
Os abusos mais
citados pelas mulheres no levantamento foram: se negar ou deixar de oferecer
algum alívio para a dor; não informar a mulher sobre algum procedimento médico
que será realizado; negar o atendimento à paciente e agressão verbal ou física
por parte do profissional da saúde.
Na opinião do
médico residente em ginecologia e obstetrícia, José Elielson Aguiar dos
Santos, que atualmente trabalha na área de especialização na Maternidade Bárbara
Heliodora, em Rio Branco, é dever do profissional de saúde acolher, assistir e
proporcionar parto humanizado às pacientes, respeitando sua autonomia, porém em
muitos casos os médicos vivem um dilema.
José Elielson Aguiar dos Santos é médico residente
em ginecologia e obstetrícia na Maternidade Bárbara Heliodora (Foto: cedida)
“Todos os dias me
deparo com situações que exigem decisões imediatas que podem determinar o
desfecho do parto. Me questiono quanto a possíveis condutas a serem praticadas
em situações de risco, entre praticar um ato médico resolutivo ou seguir o
protocolo do parto humanizado, onde o caso pode agravar em um desfecho
desfavorável, colocando em risco a vida da mãe e do concepto”
MPE abraça a causa
No Acre o
Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), um dos órgãos em que as vítimas de
violência obstétrica podem realizar denúncia, vem levantando a discussão da
necessidade de debater o assunto a fim conter casos recorrentes nos hospitais
públicos do estado. Em setembro deste ano a instituição organizou uma audiência pública para
tratar sobre a violência obstétrica, a fim de criar estratégias que resguardem
os direitos de mulheres no atendimento.
Mais de 300
pessoas participaram da atividade, que contou com a presença de diversas
mulheres narrando os casos de violência de viveram. Na ocasião, informações e
dados foram colhidos pelo órgão que planeja propor uma agenda positiva para
realização, encaminhamento e acompanhamento de estratégias de promoção dos
direitos das mulheres durante o parto.
Violência que gera
traumas
“Só de pensar em
viver tudo de novo tenho vontade de chorar”. Esse é o sentimento da funcionária
pública Tassiane Pontes ao lembrar do parto cheio de tensão que viveu em 2014.
Após ser vítima de violência obstétrica ela decidiu nunca mais engravidar.
Tassiane Pontes, vítima de violência obstétrica
física. (Foto: Daigleíne Cavalcante)
“Eu queria muito
que fosse parto normal, porque tenho um queloide e até as vacinas que tomei na
infância viraram cicatrizes horríveis, porém após mais de 36 horas em trabalho
de parto, sentindo muita dor e sem me alimentar, eu estava sem forças e com a
pressão alterada. A médica gritava comigo, dizia pra eu respirar, que eu estava
matando minha filha até que por fim, quando ela viu que eu não conseguia fazer
força começou esmurrar minha barriga”, relata Pontes.
De acordo com a
funcionária pública tudo corria bem e todos os enfermeiros e médicos que a
atenderam até aquele momento foram atenciosos, porém a profissional que
praticou os atos de violência já a tratou com atitudes ríspidas desde o início
do plantão médico e as frases depreciativas perduraram até mesmo após o parto.
“Após todo aquele
sofrimento senti por muitos dias a dor do corpo machucado pela agressão que
vivi e vou carregar as cenas e frases horríveis daquele dia pelo resto da minha
vida”, finaliza.
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