16 de dezembro de 2018

Violência obstétrica: uma aflição maior que a dor do parto

A cada quatro mulheres, uma sofre algum tipo de violência obstétrica (Imagem ilustrativa/ Google)
Kézio Araújo e Daigleíne Cavalcante
O dia que deveria ser um dos mais felizes na vida da funcionária pública Alisandra Ferreira da Silva, o dia do nascimento de sua filha, ficou marcado também por um triste episódio de violência obstétrica, caracterizada por agressões, que podem ser físicas ou verbais, tanto durante o parto quanto no pré-natal.
A funcionária pública conta que após nove meses de uma longa e difícil espera, o grande dia de enfim pegar nos braços a pequena Júlia chegou e que apesar de já ter vivido a experiência de gestação anterior, não existe preparação para passar pela temida dor do parto.
“Por mais que a gente saiba que a dor do parto é intensa e que não é um processo fácil, é humanamente impossível controlar as reações de grito e desespero no momento das contrações, principalmente as do período expulsivo”, declara Alisandra.
Alisandra Silva viveu violência obstétrica psicológica. (Foto: Renato Beiruth)
E foi o desespero de achar que não suportava mais a dor que a levou a gritar intensamente para que a assistente de parto chamasse alguém que pudesse ajudá-la a dar luz, ação que impulsionou o ato de violência obstétrica psicológica praticada pela profissional de saúde.
“Ela tinha me deixado sozinha lá com meu esposo e quando ouviu eu gritar alto chamando alguém pra me ajudar, porque a bebê estava nascendo, ela voltou e disse que não adiantava eu gritar porque meu parto ainda ia demorar muito, como se todas as mulheres fossem iguais e precisassem esperar o mesmo tempo, e ainda falou que eu estava fazendo muito mal pra minha filha”, relata Silva.
As palavras da profissional de saúde fizeram o momento ficar ainda mais angustiante para a mãe que, além de estar em um momento de dor e medo, passou a ficar preocupada de realmente estar prejudicando a saúde da bebê.
“Momentos depois uma enfermeira entrou na sala me examinou e percebeu que realmente já havia dilatação suficiente para o parto. Deu tudo certo, minha Júlia nasceu saudável e já está com seis meses de vida, mas essa lembrança ruim marcou para sempre nossa história”, conta Alisandra.
Realidade recorrente
A pesquisa Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado , realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, revela que uma em cada quatro mulheres que tiveram filhos por meio de parto normal, no Brasil, sofreram violência obstétrica.
Os abusos mais citados pelas mulheres no levantamento foram: se negar ou deixar de oferecer algum alívio para a dor; não informar a mulher sobre algum procedimento médico que será realizado; negar o atendimento à paciente e agressão verbal ou física por parte do profissional da saúde.
Na opinião do médico residente em ginecologia e obstetrícia, José Elielson Aguiar dos Santos, que atualmente trabalha na área de especialização na Maternidade Bárbara Heliodora, em Rio Branco, é dever do profissional de saúde acolher, assistir e proporcionar parto humanizado às pacientes, respeitando sua autonomia, porém em muitos casos os médicos vivem um dilema.
José Elielson Aguiar dos Santos é médico residente em ginecologia e obstetrícia na Maternidade Bárbara Heliodora (Foto: cedida)
“Todos os dias me deparo com situações que exigem decisões imediatas que podem determinar o desfecho do parto. Me questiono quanto a possíveis condutas a serem praticadas em situações de risco, entre praticar um ato médico resolutivo ou seguir o protocolo do parto humanizado, onde o caso pode agravar em um desfecho desfavorável, colocando em risco a vida da mãe e do concepto”
MPE abraça a causa
No Acre o Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), um dos órgãos em que as vítimas de violência obstétrica podem realizar denúncia, vem levantando a discussão da necessidade de debater o assunto a fim conter casos recorrentes nos hospitais públicos do estado. Em setembro deste ano a instituição organizou uma audiência pública para tratar sobre a violência obstétrica, a fim de criar estratégias que resguardem os direitos de mulheres no atendimento.
Mais de 300 pessoas participaram da atividade, que contou com a presença de diversas mulheres narrando os casos de violência de viveram. Na ocasião, informações e dados foram colhidos pelo órgão que planeja propor uma agenda positiva para realização, encaminhamento e acompanhamento de estratégias de promoção dos direitos das mulheres durante o parto.
Violência que gera traumas
“Só de pensar em viver tudo de novo tenho vontade de chorar”. Esse é o sentimento da funcionária pública Tassiane Pontes ao lembrar do parto cheio de tensão que viveu em 2014. Após ser vítima de violência obstétrica ela decidiu nunca mais engravidar.
Tassiane Pontes, vítima de violência obstétrica física. (Foto: Daigleíne Cavalcante)
“Eu queria muito que fosse parto normal, porque tenho um queloide e até as vacinas que tomei na infância viraram cicatrizes horríveis, porém após mais de 36 horas em trabalho de parto, sentindo muita dor e sem me alimentar, eu estava sem forças e com a pressão alterada. A médica gritava comigo, dizia pra eu respirar, que eu estava matando minha filha até que por fim, quando ela viu que eu não conseguia fazer força começou esmurrar minha barriga”, relata Pontes.
De acordo com a funcionária pública tudo corria bem e todos os enfermeiros e médicos que a atenderam até aquele momento foram atenciosos, porém a profissional que praticou os atos de violência já a tratou com atitudes ríspidas desde o início do plantão médico e as frases depreciativas perduraram até mesmo após o parto.
“Após todo aquele sofrimento senti por muitos dias a dor do corpo machucado pela agressão que vivi e vou carregar as cenas e frases horríveis daquele dia pelo resto da minha vida”, finaliza.

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