Sem estradas, o acesso é difícil.
Com terçados, os participantes abrem a estreita trilha. Os obstáculos aparecem
ao longo do antigo caminho. Solo instável, animais peçonhentos, insetos, onças
e outros animais silvestres, além de uma vasta e alta vegetação amazônica
atravessam o mesmo varadouro, criado por seringueiros para a extração do látex
no período áureo da borracha. Mas ao chegar no destino final, o cansaço logo é
deixado de lado, e tudo vira uma grande festa entre as duas comunidades.
De uniforme vermelho, 45
jogadores da Vila Restauração marcam presença no Novenário de São Francisco de
Assis e tornam-se heróis do futebol no no estádio Joca Melo, em uma das regiões
mais remotas do Acre. A equipe se divide em dois times, um juvenil e um master
e conta com atletas indígenas, da etnia Kuntanauwa. Antônio Gomes Júnior, 33
anos, técnico há oito, explica que a tradicional disputa ocorre há de mais de
30 anos e é passada de geração para geração. Em agosto de 2018, o selecionado
do Jordão faz o percurso contrário. Na festa de comemoração a São Raimundo,
padroeiro da Vila Restauração, a equipe retribui a visita e realiza o ‘duelo da
volta’.
- O futebol foi a forma que
nossos pais e tios encontraram de aproximar, de reencontrar as pessoas que
gostamos. É uma tradição de muitos anos, que lutamos para manter. Temos muitos
amigos lá e eles também têm amigos de verdade aqui. Estamos sempre de braços
abertos para recebê-los. E para jogar também. Respiramos esporte! Algumas
pessoas dão a vida por ele, e nós também, como aconteceu com nosso amigo -
conta.
Entusiasmada, a torcida acompanha a partida no estádio de Jordão (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal) |
Nesta
edição do tradicional torneio, o Restauração venceu pela primeira vez, mas nem
só de alegria foi a participação dos atletas. Um dos jogadores faleceu após a
‘expedição’, em um hospital do Jordão. Segundo o treinador Junior, a causa da
morte ainda não foi esclarecida, mas ele passou mal ainda no percurso. O título
foi dedicado ao amigo que partiu e apesar da dor da perda, da ausência de
troféus ou medalhas, o time cumpriu mais uma vez sua missão e já aguarda
ansioso pelo próximo encontro, que tem data marcada. Em agosto de 2018, o
selecionado do Jordão faz o percurso contrário. Na festa de comemoração a São
Raimundo Nonato, padroeiro da Vila Restauração, a equipe retribui a visita e
realiza o ‘duelo da volta’.
-
Sempre é assim, nós vamos até lá no novenário de São Francisco, em outubro, e
em agosto eles vêm jogar aqui, na festa de São Raimundo. Este ano ganhamos,
agora vamos ver na volta (risos). É um grande prazer, uma felicidade imensa.
Passamos o ano aguardando esse reencontro - comemora.
Mesmo com o cansaço, o jogo é pra valer e as duas equipes se empenham em busca da vitória (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal) |
Movidos pelo futebol,
pela fé e pela integração, torcedores e times atravessam o longo varadouro que
os separam, para jogar bola e prestigiar os novenários. As 28h, de ida e volta
na dura viagem ficam para trás e apenas os gritos de gol da torcida
entusiasmada ficam na lembrança do time, de acordo com Junior. O esporte
diminui a distância geográfica.
- É uma forma de nos aproximar, independente da
distância. Não há etnias, cor, sobrenome, nem religião. Nessa hora somos todos
companheiros e vamos manter essa tradição, essa experiência. Todo esforço vale
a pena. É uma lição de vida – conclui o técnico.
Nathacha Albuquerque, Rio Branco, AC – Globo Esporte
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